Jerônimo de Camargo, o fundador de
Atibaia
Texto
publicado na Revista Ênfase, por Gilberto Sant´Anna
Jerônimo pertencia a uma família de
agricultores e comerciantes abastados. Os Camargos, os Buenos e os
Pires plantavam trigo numa vasta área entre o
centro da capital paulista e a vizinha Mairiporã.
No período da União Ibérica (1.580 a 1640), o
centro do poder político na Colônia do Brasil deslocou-se de Portugal para
a Espanha. Evidentemente, passou a exercer o poder por
aqui os súditos credenciados pela Coroa Espanhola. Em São
Paulo, os beneficiados foram os Camargos e Buenos, que passaram a
mandar e desmandar, em detrimento dos Pires. . Note-se que o pai de Jerônimo de
Camargo, de nome José Ortiz de Camargo e de apelido Jiusepe, era
sevilhano, portanto espanhol da gema.
A vida, pois, não era tranqüila. A disputa
Pires (portugueses) versus Camargos (espanhóis) durou mais de
100 anos. Em Atibaia, a hegemonia dos Camargos estendeu-se por
300 anos, ou seja, até a década de oitenta do século passado, à
época do José Pires Alvim, o Zezico. Na linha de
sucessão direta, o filho Juvenalzinho, não se interessou pela
continuidade na política.
Uma curiosidade à parte: os descendentes de José
Alvim de Campos Bueno, o Nhô Bim, conservaram apenas o
Alvim, suprimindo o sobrenome Campos Bueno.
Reduzir e simplificar os nomes eram práticas costumeiras.
O jovem Jerônimo Camargo preparou-se para o
sacerdócio. A sagração sacerdotal ocorreria em Angola, no ano de 1.640.
(Toda família importante destinava alguns dos filhos para a vida militar
ou religiosa, visando facilidades com o Poder).
Todavia, tal não aconteceu. A restauração do trono português nesse
mesmo ano, mudou todos os planos da colônia
espanhola radicada em São Paulo-SP.
Jerônimo de Camargo destacou-se em razão do
preparo intelectual proporcionado pela vida religiosa,
instrumento que lhe permitiu o exercício de uma liderança
capaz e competente.
Nessa época os homens, em geral,
eram rudes e truculentos. Mal pronunciavam as palavras, indo pouco além do
grunhir. Deslocavam-se mata a dentro a procura de
riquezas. Vestiam-se apropriadamente para se defender das
intempéries, das cobras, dos insetos, dos animais ferozes, das flechadas,
das enchentes e outras adversidades. Enfrentavam as resistências negras e
nativas usando da brutal força colonizadora da Coroa.
Os grandes impérios formados ao longo da História da Humanidade e do
Brasil, assim agiram, para alcançar os seus propósitos de grandeza.
Os reinos saqueavam outros reinos. Observe-se que
a história é escrita pelos vencedores. Por isso,
apenas os vencidos são responsabilizados pelas atrocidades de todos.
Aliás, a violência de ontem é a mesma de hoje,
perfeitamente integrada à cultura dos tempos.
Jerônimo de Camargo elegeu-se vereador, numa
época em que o povo não votava. Apenas os mais ricos gozavam desse
direito.. Para votar e ser votado era preciso provar renda e
propriedade em quantidade abundante e suficiente. Os homens probos
revezavam-se nos diversos cargos, previstos nas Ordenações do Reino.
Essa era a rotina das Câmaras Municipais instaladas sob os princípios
jurídicos da sociedade medieval.
Jerônimo exerceu cargos importantes na edilidade
paulistana, inclusive o de Juiz Ordinário, quando enfeixou em suas mãos
poderes quase absolutos, isto é, atuava como vereador,
prefeito e juiz numa só penada.
Em 1653, Jerônimo de Camargo
invadiu e ocupou o prédio da Câmara por mais de
um ano, em protesto contra a restauração do trono português. O amigo
Amador Bueno da Ribeira foi aclamado rei. Nada deu certo. Abandonou São Paulo e
embrenhou-se mata a dentro, na região ao norte de
Mairiporã. Homiziou-se estrategicamente numa colina segura, abaixo de uma
grande pedra. O revés político e a fuga provocou o surgimento de um
povoado. Daí atribuir-se a Jerônimo de Camargo a fundação de Atibaia, na data
oficial de 24 de junho de 1665.
Jerônimo trouxe consigo muitos
familiares e aliados. Plantou trigo na área onde
surgiram os bairros de Caioçara, Alvinópolis e Caetetuba. Em
1700 mudou-se para Jundiaí, por causa do fungo de nome broca, que destruiu os
trigais atibaienses. Ali morreu em 1707. As
filhas e genros reivindicaram a propriedade das terras ocupadas e
cultivadas por Jerônimo de Camargo.
Apesar das loas
comuns aos textos históricos, Jerônimo de
Camargo não foi propriamente um Bandeirante, nem
político revolucionário nem um contemplado com sesmarias. Apenas
lutou sinceramente pelos seus ideais. Nada mais feliz, pois
que a escolha de São João Batista para padroeiro de Atibaia. O santo e o
fundador nunca temeram os obstáculos impostos na contemporaneidade.
Gilberto Sant´Anna