Morreu o Pitão
Lembro-me bem do seu andar
desengonçado, do seu rosto vincado pelas rugas do tempo, das
intempéries e do sofrimento. Afinal, ele era um corintiano.
Mas aquele andar, aquele
jeitão de Carlitos com jornais velhos num braço e um filão
no outro, era na realidade um caricata social.
Sua corintianice era
antológica. E porque não? Era um direito inalienável torcer
pelo time do coração.
Suas histórias sobre o
coringão eram muito criativas:
_ Quando o Corinthians foi
jogar no interior num dia chuvoso e perdeu ele já chegou
dizendo: “ nois num semo pato pra joga na água”.
Quando o Sócrates foi para
a Itália eu comentei: - pois é Pitão, perdemos um bolão. Ele
pensou, pensou e respondeu: “ ele vorta, num se costuma lá”.
Antes de comprar o
Serginho, ele dizia que era macumbeiro, depois que foi
negociado ele disse: “ ta bom tamem” .
Enfim, entre tantas outras
histórias, a verdade é que ele tinha feito uma escolha
definitiva: ser corintiano. Para ele o Corinthians
representava muitas coisas: a falta da família, pela
impossibilidade de mantê-la, sem recursos, desempregado,
enfim o Corinthians era tudo o que ele tinha para amenizar
suas desgraças e solidão.
Mas vamos refletir sobre
tudo isso.
O Pitão é um brasileiro a
mais dos que morrem todos os dias de frio e fome por esse
Brasil afora.
Será que todos precisam
aliviar suas misérias escolhendo um time, um cantor ou um
outro artista?
Será que precisamos
distorcer a nossa realidade para poder suporta-la?
O que Pitão
inconscientemente tentava simbolizar através do seu
comportamento, é a completa alienação do ser humano numa
sociedade injusta e caótica.
Mas mesmo assim, viveu e
morreu de uma forma pacífica e até certo ponto filosófica.
Nas suas andanças pela
cidade ele parecia tecer uma grande malha, um elo de união
entre as pessoas que diariamente o encontravam, e o viam na
só como um dos mais fanáticos torcedores, mas também como um
irmão brasileiro, embora carente e subnutrido.
Esperamos que com o Pitão
não tenham também morrido as esperanças de um Corinthians
melhor, mas principalmente de um Brasil maior, mais justo e
democrático.
Juvenal
Alvim Netto |